“Quem procura as agências, na maioria das vezes, não faz parte do público-alvo de vendas da Caixa”, diz o presidente da Fenae, em crítica à direção do banco

 

A Caixa Econômica Federal está entre os bancos mais reclamados no ranking do Banco Central (Bacen) desde o primeiro trimestre de 2020. Enquanto a população reclama do atendimento deficiente, os empregados são pressionados a cumprir metas de vendas inatingíveis, diante da situação econômica do país.

Para o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sergio Takemoto, a explicação está no fato de a atual direção da Caixa priorizar a força de atendimento para realização de negócios, em detrimento do atendimento de qualidade à população. “Quem procura as agências, na maioria das vezes, não faz parte do público-alvo de vendas. Além disso, a falta de empregados agrava mais a situação. O resultado dessa combinação é a população mal atendida e os empregados adoecidos”, avalia.

Os trabalhadores continuam denunciando as cobranças agressivas por metas e resultados. João A. (nome fictício), explica a excessiva pressão por vendas a que os empregados são submetidos. Por vezes, esta cobrança gera situações constrangedoras e desumanas.  “Existem pessoas que vão sacar seguro-desemprego e somos cobrados para vender seguro de vida para elas. É um absurdo”, nos conta João, que preferiu falar sob a condição de anonimato por receio de sofrer represálias.

“A gente quer um banco social e atender bem a população. Obviamente nós somos um banco e a venda de produtos faz parte, mas a situação está num ponto onde os empregados precisam vender a qualquer custo para bater meta e receber ‘palminhas’ em grupo de whatsapp”, desabafou.

Ciente do papel social que exerce, João lamenta a prioridade dada aos negócios em detrimento do atendimento à população. “Eles acham que é natural a população esperar duas, três horas por atendimento. Isso muda a cultura do banco e não podemos deixar que a Caixa perca o seu caráter social”.

João acrescenta que a cobrança por metas acontece de hora em hora, em plataformas de colaboração de equipes e grupos de WhatsApp. “Existe o grupo da agência, o grupo da SEV [Superintendência Executiva de Varejo], de Pessoa Física, do Consignado, de Previdência. E em todos eles há cobranças de hora em hora, principalmente depois do Sprint (quando o foco de vendas está em um produto por determinado período)”, explica. “Estão cobrando a gente em cinco grupos diferentes, como se tivéssemos cinco cabeças e dez braços”.

Com tanta pressão, os empregados estão adoecendo. João conta que muitos colegas estão pedindo para ir para outro lugar e até entregando função.

O empregado Marcelo B. (nome fictício), também citou o sprint como ferramenta de pressão. “No período de mensuração, todas as agências são ranqueadas pelo objetivo proposto e precisam atingir determinado percentual. Alguém vai ficar em último, mesmo que atinja 80% do objetivo proposto. Isso deixa a agência em uma zona de exposição negativa”. Uma reivindicação histórica do movimento sindical é que não se faça ranqueamento, principalmente o individual. Mas o de agências continua acontecendo.

Deficiência de pessoal

Este problema crônico da Caixa, que se arrasta por muitos anos, foi citado por Marcelo como agravante da situação.

São sucessivos Programas de Demissão Voluntária (PDV) sem a devida reposição de pessoal. “Uma hora a fatura ia chegar e está sendo cobrada agora, sobretudo neste momento de pandemia, com atendimento ainda contingenciado”. Ele explica que neste momento de exceção, quando a prioridade deveria ser o atendimento à população, as cobranças por meta não diminuíram.

“As agências não deixaram de ter metas, não deixaram de ter pontuação no Conquiste, mensurando e servindo como balizador para promoções ou até eventuais retiradas de função, como ocorrem. Durante este período foi como se a pandemia não existisse. As metas continuaram existindo, as cobranças estão num ritmo absurdo e assustador”.

Uma preocupação dos empregados, e também da Fenae, é o retorno das filas. No primeiro dia de pagamento do novo Auxílio Brasil, alguns estados já registraram filas na porta das agências.

Outro dificultador mencionado por Marcelo para atingir a meta de vendas é a subida das taxas de juros, que são repassadas para os produtos de crédito operados pela Caixa. “Com a taxa maior não é possível nem renovar os contratos já existentes, muito menos conseguir novos contratos”, explica Marcelo sobre a dificuldade dos empregados.

Com o aumento da taxa de juros e o comprometimento de margem consignável, não resta público-alvo para realizar novos contratos. Com o cenário econômico atual, de desemprego em alta, a Caixa muda seus parâmetros internos de concessão de crédito. Assim, aqueles clientes que podem fazer empréstimo pelo CDC Automático, por exemplo, (linha de crédito pré-aprovada que pode ser contratada pelo caixa eletrônico) não têm o crédito aprovado.

No entanto, a exigência pelo cumprimento de metas e cobrança por novos contratos é a mesma. Marcelo ressalta que existem vários empregados que precisam recorrer a medicamentos para conseguir lidar com a pressão.

“A pressão psicológica vem no seguinte sentido – se eu não conseguir atingir a meta eu posso ser transferido para um local muito distante e até outra cidade ou posso perder a função. E perder a função na Caixa é o equivalente a uma redução salarial muito drástica. A distância do salário base para a função é muito severa, justamente para deixar o empregado refém – até a ponto de fazer o que estou fazendo agora, de conversar na condição de anonimato. No comando atual e neste governo, falar pode nos expor demais a ponto de perder a função”.

Fonte: Fenae


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