Após um ano e meio no Palácio Piratini, o governo de José Ivo Sartori parece se aproximar cada vez mais da lógica adotada por outro governo do PMDB no Rio Grande do Sul, o do jornalista Antônio Britto, que fez das privatizações uma de suas principais marcas. A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2017, reafirmando as políticas de cortes de gastos e investimentos e de arrocho salarial para os servidores sinalizam para o caminho que o governo pretende percorrer em sua segunda metade. A lógica geral é: se o Estado não tem recursos para investimentos, deixemos que a iniciativa privada o faça. Assim como ocorreu no governo Britto, o acordo de renegociação da dívida, firmado por José Ivo Sartori com o presidente interino Michel Temer traz como uma de suas contrapartidas a obrigação de privatizar empresas públicas.
A exemplo do que ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, Temer já acenou com a possibilidade de usar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para “financiar” novos processos de privatização. No Rio Grande do Sul, a Sulgás, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e o Banrisul são os alvos mais cobiçados dos defensores das privatizações. O governo Britto vendeu a CRT, parte da CEEE e planejava a privatização do Banrisul, que acabou barrada pela eleição de Olívio Dutra. As privatizações da CRT e da CEEE foram apresentadas, na época, como soluções para resolver o problema da dívida do Estado, o que acabou não ocorrendo. Empresas públicas foram vendidas e a dívida seguiu aumentando.
Receita dos anos FHC: Ajuste fiscal e privatizações
Em 1996, Britto assinou um contrato de refinanciamento da dívida do Estado com o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Esse acordo, na época, foi apresentado como a solução definitiva para a crise financeira do Estado que estaria pronto, assim, para ingressar em um novo ciclo de desenvolvimento. José Ivo Sartori, na época, era deputado estadual. Como parlamentar, presidiu a Assembleia Legislativa e foi líder do PMDB no governo Britto. Os estados que assinaram esse acordo foram obrigados a adotar planos de ajuste fiscal e programas de privatização de patrimônio público.
Vinte anos depois, a história parece se repetir. No dia 20 de junho, Temer anunciou a suspensão do pagamento das dívidas dos Estados até o final do ano, e o alongamento da negociação dessas dívidas por 20 anos. O acordo inclui os Estados na Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, atualmente tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que prevê, entre outras coisas, a limitação dos gastos públicos e exige a privatização de ativos públicos dos Estados.
“Um dos mais vigorosos ataques ao serviço público”
Na avaliação do Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul, esse acordo representa um dos mais vigorosos ataques ao serviço público já praticados na história do Brasil. “Tal qual em 1996, quando o então governador Antônio Britto (PMDB) negociou com Pedro Malan a reindexação dos valores da dívida gaúcha colocando a venda do Banrisul como exigência, o Rio Grande do Sul terá que entregar patrimônio e arrochar os serviços públicos por duas décadas. Reajustes aos servidores? Só a reposição inflacionária do ano anterior. Gastos com saúde e educação? Desvinculados do orçamento”.
Na mesma linha, o Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do RS (Ugeirm) adverte que os termos desse acordo, combinados com a possível aprovação da Lei da Terceirização, no Congresso, e do PL 44/2016, na Assembleia Legislativa, abrem as portas para uma privatização brutal do Estado. O PL 44 escancara a porta para a privatização da saúde, da educação, da ciência, da tecnologia e da comunicação pública, defendem os sindicatos.
Para o líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa, deputado Luiz Fernando Mainardi, o projeto do governo Sartori é entregar o Estado e os serviços públicos à iniciativa privada. O modus operandi é o mesmo dos governos Britto e Yeda, acrescenta a deputada Stela Farias (PT): “corta despesas, atrasa salários, reduz as funções públicas e assim inviabiliza o setor público, preparando terreno para a transferência das funções públicas para a iniciativa privada”. Em nota oficial, o PCdoB afirma que Sartori tenta criar um ambiente que justifique a privatização dos setores essenciais do Estado. O PL 44, diz o partido, é um exemplo disso ao autorizar o repasse para as Organizações Sociais da gestão de escolas e hospitais que poderiam passar a contratar sem concurso público. “A mobilização dos estudantes fez com que o governo recuasse temporariamente, mas a ameaça continua aberta diante do agravamento do quadro das finanças”, adverte o PCdoB.
“O céu é o limite”
Um dos protagonistas do processo de privatizações no governo Britto ocupa um posto chave hoje no governo Sartori. Cristiano Tatsch, que presidiu a CRT no período da privatização, é hoje o secretário estadual de Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional. Tatsch é um dos responsáveis pelo projeto de redução do Estado do governo Sartori que prevê extinção de fundações e de empresas públicas, transferência da gestão de serviços públicos para as OS e parcerias público-privadas. “O céu é o limite”, resumiu Tatsch em entrevista aoJornal do Comércio, em 2015.
Entre as empresas e fundações visadas por essas políticas, estão: Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag), Companhia Riograndense de Mineração, Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Fundação Zoobotânica, Procergs, Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). A primeira vítima foi a Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs), já extinta por Sartori.
A semelhança entre os dois governos peemedebistas aparece também no discurso utilizado por Britto e Sartori ao apresentar suas políticas como a solução para a crise financeira do Estado. Em 1996, Britto afirmou que o acordo com a União estava libertando o Rio Grande do Sul do maior obstáculo que o Estado tinha para o seu desenvolvimento. “Graças à reforma do Estado, considerada modelo pela imprensa nacional, o RS é o primeiro a renegociar a dívida”, comemorou, na época, o jornalista José Barrionuevo, então colunista político do jornal Zero Hora. Vinte anos depois, Sartori repete Britto e diz que o novo acordo cria condições para o Estado avançar para além de 2018, quando termina seu governo. Esse suposto avanço, tanto para Britto como para Sartori, depende da aprovação da chamada “reforma do Estado”, que inclui as privatizações e extinções de fundações e empresas públicas.
Fonte; Sul21 / Por Marco Weissheimer